Indicado ao Prêmio Shell na categoria Melhor Figurino e ao Prêmio Aplauso na categoria Melhor Arquitetura Cênica, ‘Noite’ entrelaça histórias contadas por moradores do Brás e do Belenzinho, onde grupo paulistano está sediado há 10 anos. Após sessões, haverá debates com artistas e moradores de São José do Rio Preto
O espetáculo “Noite” será apresentado pelo Grupo Sobrevento, de São Paulo, neste sábado (3), 20h, e domingo (4), 19h, ao vivo e online. As apresentações serão seguidas de debates sobre o espetáculo e o intercâmbio realizado com artistas e moradores de São José de Rio Preto. Essas ações têm a parceria da Cia. Cênica. O projeto é realizado pelo Programa de Ação Cultural, por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. A transmissão é gratuita pelo facebook da Cia. Cênica (fb.com/cia.cenica).
No palco, um mosaico cênico com histórias, memórias, como se fossem caixinhas de lembranças. Por meio de dispositivos – a princípio simples – como escutar histórias na feira, observar um velório, conversar com pessoas e ir a uma igreja, o Grupo Sobrevento recolheu diversos depoimentos para criar seu mais novo espetáculo para adultos.
Criado a partir do Teatro de Objetos – linguagem que o grupo pesquisa profundamente desde 2010 – o espetáculo tem uma dramaturgia que nasceu dos depoimentos de seus vizinhos e das suas histórias, todas relacionadas a objetos guardados, secretos, carregados de afetos, ou ainda do sentimento pela ausência/perda deles.
Sandra Vargas, que divide a direção da peça com Luiz André Cherubini, conta que “Noite” foi concebido a partir da prática da escuta dos moradores locais e não de um tema pré-determinado pelo grupo. Entender como a população lida com as próprias memórias e quais histórias elegem para contar ao outro foi determinante para que a dramaturgia, criada em conjunto pela companhia, tomasse forma.
Em cena, um homem cego interpretado por Luiz André Cherubini conversa com um menino e sua fala é atravessada por suas memórias. O cenário composto por 11 nichos de tamanhos variados, sobrepostos, torna possível contemplar na cena todas as personagens que compõem a memória desse homem. A princípio, a luz ilumina cada figura por vez, dando vida a uma determinada memória, mas como num processo típico do pensamento humano, há momentos em que as memórias se misturam, se interrompem ou aparecem de forma fragmentada. Cada ator representa a potência máxima dessa memória, carregando em seu nicho elementos visuais que remetem ao pensamento do homem cego.
“As pessoas pensam que a vida é um longo caminho para frente, mas ela não é mais do que um passeio pela vizinhança”, diz o protagonista em determinado momento da peça. Durante o processo de criação, depoimentos pessoais de vizinhos, histórias do bairro e dos arredores do Sobrevento reuniram-se para contar as lembranças de alguém que “já não vendo mais a luz que há, se apega a luz que havia”. Na narrativa se misturam memórias de esperança e alegria, fantasmas que perseguem na escuridão e evocam o medo da morte, a dor das perdas, a fragilidade humana e a saudade.
O desafio do grupo foi amarrar as histórias colhidas e ressaltar na cena como determinado objeto conduz a narrativa. Um vestido, uma vela, uma tesoura e pratos de cozinha são alguns dos objetos que disparam as memórias. “Foi importante preservar a simplicidade com que cada pessoa nos contou sua história”, destaca Sandra. A artista ressalta que os assuntos mais recorrentes durante as conversas eram os relacionados com terra, morte e jardim.
“A terra estava associada às memórias dos moradores do Brás e do Belenzinho em diversos sentidos. São bairros onde há um número grande de população indígena peruana e boliviana que fala muito sobre a terra sagrada, que dá presentes, alimento e que é onde essas pessoas deixaram suas raízes”, conta Sandra. “Os depoimentos eram autênticos e simples, tornando-se eles mesmos as metáforas que criamos para o teatro.”
Os figurinos assinados pelo estilista e figurinista João Pimenta (que concorreu ao Prêmio Shell), remetem a temas religiosos. Coroas de flores, túnicas, vestidos brancos, asas e penas compõem a vestimenta das personagens. O Grupo Sobrevento foi indicado ao Prêmio Shell de Teatro de 2018, na Categoria Inovação, pela sua pesquisa no Teatro de Animação e de Objetos.
Projeto em São José do Rio Preto
Em novembro do ano passado, o SOBREVENTO ofereceu uma oficina online e gratuita a artistas da cidade. Por meio da oficina, o grupo entrou em contato com moradores de São José de Rio Preto, para conhecer as histórias guardadas em seus objetos. A iniciativa resultou em um MUSEU-TEATRO DA VIZINHANÇA, instalação plástico-cênica que promoveu, por meio do Teatro de Objetos, o encontro comunitário e a valorização da memória local.
O Museu-Teatro da Vizinhança é uma iniciativa criada pelo SOBREVENTO para recuperar e valorizar a memória do bairro onde está sediado há dez anos. O grupo realizou duas edições, em 2017 – com a supervisão do francês Roland Shön – e 2018, na cidade de São Paulo, e cinco edições, online. Para tal, conversou com muitos vizinhos e descobriu objetos que carregam consigo histórias incríveis, emocionantes, surpreendentes, que ajudam a compreender a nossa vizinhança e nós mesmos. Os objetos que guardamos com cuidado revelam a nossa humanidade, fragilidade e delicadeza e são a prova material das histórias que queremos contar. É por isso que, em nossas casas, colocamos esses objetos na mesa de centro, no meio da estante ou que, em nossas bolsas, estão na carteira que mais abrimos, ou que, em nossos corpos, penduramos junto ao peito: para que alguém, algum dia, nos pergunte que história ele encerra e para que possamos contá-la e recontá-la tanto quanto possível.
Sobre o grupo
Fundado no Rio de Janeiro em 1986, o Grupo Sobrevento transferiu-se do Rio de Janeiro para São Paulo há mais de vinte anos, em função da quantidade de atividades que a cidade lhe requeria. Fundou, em 2009, o Espaço Sobrevento, única sala da cidade de São Paulo dedicada especialmente ao Teatro de Animação. O Sobrevento é, hoje, um dos grupos teatrais mais destacados e atuantes do país. Desde sua fundação, em 1986, realizou mais de 6 mil apresentações – “Que é como se tivéssemos subido ao palco mais do que dia sim, dia não, por 34 anos”, diz o diretor Luiz André Cherubini –, visitou em torno de 200 cidades do Brasil, outras 40 da Espanha e esteve em diversos países de quatro continentes, representando o Brasil em lugares tão distantes quanto Irã e Estônia e outros tão próximos quanto Argentina, Chile e Colômbia.
“Criamos mais de 20 espetáculos e mantemos 17 em repertório. Temos realizado muitos festivais internacionais de teatro de bonecos e de animação, buscando multiplicar e desenvolver o Teatro de Animação, o Teatro de Objetos, o Teatro para a Infância e a Juventude, o Teatro para Bebês, bem como diferentes expressões teatrais contemporâneas”, afirma Sandra Vargas, atriz, fundadora do Sobrevento e curadora do FITO – Festival Internacional de Teatro de Objetos, criado em 2009. O Sobrevento tinha acabado de realizar duas viagens internacionais – pela Índia e pelo Chile – e se preparava para dar início à circulação do espetáculo Noite, quando foi surpreendido pela pandemia.
SERVIÇO
Espetáculo “Noite”, com o Grupo Sobrevento
Dias 3 e 4 de julho, sábado, 20h, e domingo, 19h, ao vivo e online.
Apresentações seguidas de debates sobre o espetáculo e o intercâmbio realizado com artistas e moradores de São José de Rio Preto.
Transmissão gratuita pelo facebook da Cia. Cênica (fb.com/cia.cenica).
O projeto é realizado pelo Programa de Ação Cultural, por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.
SINOPSE
“Noite” apresenta uma coleção de histórias rememoradas por um cego, na escuridão onde vive. Para compor o espetáculo, o Sobrevento conversou com dezenas de vizinhos acerca dos objetos que guardam e de que nunca se desfariam. Em um processo aberto, – fundamentado na pesquisa, na descoberta, na escuta, no inesperado, – depoimentos pessoais, histórias do bairro e dos arredores do Sobrevento, guardados em caixas, compõem o espetáculo, ao revelar o teatro que escondem e contam as lembranças de alguém que “já não vendo a luz que há, apega-se à luz que havia”, memórias que lhe dão esperança e alegria, fantasmas que o assombram na escuridão e que evocam o seu medo da morte, a dor das suas perdas, as suas fragilidades e a sua saudade.
FICHA TÉCNICA
Criação: Grupo Sobrevento
Direção: Sandra Vargas e Luiz André Cherubini
Dramaturgia: Grupo Sobrevento (a partir de depoimentos de vizinhos)
Elenco: Sandra Vargas, Luiz André Cherubini, Maurício Santana, Sueli Andrade, Liana Yuri e Daniel Viana
Música original: Arrigo Barnabé
Iluminação: Renato Machado
Figurino e adereços: João Pimenta
Assistência de figurinos e adereços: Marcelo Andreotti e Sueli Andrade
Cenografia: Luiz André Cherubini
Cenotécnica: Agnaldo Souza, Mandy e Paulo Higa
Técnica de luz: Marcelo Amaral
Assistência de Iluminação: Vinícius Soares
Video Mapping: Cristhian Lins
Fotografia: Arô Ribeiro
Fotografias de Cena: Marco Aurélio Olímpio
Programação Visual: Marcos Corrêa – Ato Gráfico
Produção Executiva e Assessoria de Comunicação: Maurício Santana
Produção Local: Fabiano Amigucci – Cia. Cênica
Filmagem e edição ao vivo: Icaro Bueno – Produtora Dois Pontos