Com programação gratuita e diversa, envolvendo intervenções de artistas negros convidados e selecionados, em múltiplas linguagens, entre música, poesia, dança, arte urbana e, sobretudo, afeto, acontece dia 17 de outubro, sexta-feira, das 18h às 22h, na Casa SP Afro Brasil, em São José do Rio Preto, a edição “Levantes” do Sarau Versos Que Te Fiz.
O evento integra a ação Ocupações Afetivas, do Projeto “Não Vão Nos Matar Agora Porque Ainda Estamos Aqui”, do artista da dança Mayk Ricardo, contemplado pela PNAB (Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura), São José do Rio Preto, na modalidade produção de obras artísticas.
Nesta edição, o sarau inspira-se no conceito de levante, de Georges Didi-Huberman, entendendo o afeto como gesto de insurgência: uma resistência sensível e coletiva que se ergue diante do que insiste em apagar a vida. Conduzida por sua idealizadora, a poeta rio-pretense Mayara Ísis, a programação tem como proposta ser um convite a criar futuros possíveis a partir do amor, tecendo versos, danças, melodias e narrativas que ecoam a potência e a alegria da negritude.
Entre as intervenções selecionadas presentes na programação está “Samba é movimento – Corpo em chamas”, da passista e sambista Kelly Cristina, conhecida artisticamente como kellysambafoot, Rainha do Carnaval 2025 em São José do Rio Preto. A apresentação funde samba-no-pé, capoeira Angola e danças de terreiros para buscar revelar como corpos negros periféricos transformam dor em potência criativa.
Já “Cada um com seu cada caos”, do multiartista baiano CaS, MC de batalha de rima desde 2016 e articulador de projetos sociais em sua comunidade, apresenta uma narrativa em versos poéticos a percorrer a trajetória do caos interior e a necessidade de enfrentar suas causas, numa busca incessante por respostas. Enquanto a intervenção “Dos meus ancestrais”, da artista Fabricia Pereira, criadora que entrelaça o teatro negro e a capoeira em sua prática artística, une poesia e cantigas de raiz popular e autoral conduzidas pelo som ancestral do berimbau.
Entre as intervenções convidadas, estão a Batalha do Braile – Edição Afeto (com Gabiz, JL, Naka e Queiroz), um pocket show do duo Magia Negra, discotecagem com DJ Kayque e apresentação da multiartista Pamela Ramos.
Criado em 2019 por Mayara Ísis, o Sarau Versos Que Te Fiz nasceu como afirmação de que o afeto é também uma força política e poética. Um espaço de palco aberto, performances e encontros coletivos, onde palavra, corpo e música se entrelaçam para materializar poesia e cuidado.
“A cada edição, o sarau se torna um respiro em meio às urgências do cotidiano, reafirmando o amor, a ternura, a amizade e a partilha como dimensões essenciais da luta. Mais do que um evento, é um manifesto vivo de que o afeto pode ser encontro, direito e permanência”, define a poeta e idealizadora.
Pré-estreia: espetáculo “ATO II: Aqui, Ainda”
Encerrando o Projeto “Não Vão Nos Matar Agora Porque Ainda Estamos Aqui”, acontece a pré-estreia gratuita do espetáculo “ATO II: Aqui, Ainda”, com direção artística e coreográfica de Mayk Ricardo, que está em cena ao lado de Carol Cof. A sessão édia 19 de outubro, domingo, às 19h, no Teatro Municipal Humberto Sinibaldi Neto, em São José do Rio Preto, com tradução em Libras e audiodescrição.
“ATO II: Aqui, Ainda” é uma criação de Mayk Ricardo e Carol Cof, com colaboração dramatúrgica de Anna Claudia Magalhães. A obra apresenta dois corpos negros em um encontro para refletir sobre o amor como ética de vida — uma força que sustenta e fortalece existências negras, abrindo caminhos para as próximas gerações. De mãos dadas, resistem ao caos, à incomunicabilidade e à velocidade do tempo, reafirmando a importância da presença afetiva e da escuta.
Na cena, os corpos buscam reconexão consigo e com o outro, em um movimento atravessado pelo afeto em meio às violências cotidianas. Cada gesto é permanência, cada toque é cuidado, cada encontro é sobrevivência.
Para provocar cenicamente o trabalho, a dupla de intérpretes-criadores convidou a diretora, atriz, arte educadora e psicóloga Beta Cunha, colaboradora da pesquisa desde seu início. A preparação corporal é de Ícaro Negroni, também responsável pelo desenho de luz. Leonardo Bauab assina a cenografia; Cairo Francisco e Nesk Beats, em colaboração com o elenco, a trilha sonora; e Vinicius Xavier, o figurino.
Sobre a montagem
Coreograficamente, o trabalho se constrói a partir do pulso e do ritmo: contrações, espasmos, tremores e pausas revelam o colapso e a persistência desses corpos. A fisicalidade alterna entre densidade e leveza, ruído e silêncio, buscando outras lógicas de movimento no encontro. Como no kintsugi, técnica japonesa de reparar cerâmicas com ouro, o trabalho assume suas fissuras como parte da beleza e da história.
O espaço cênico reflete essa travessia entre amor e desastre. Elementos como papel laminado criam uma ambiência mutante, ora festiva, ora caótica, evocando os contrastes da existência. A luz em tons de azul e vermelho pulsa como o coração, enquanto a trilha sonora — parte composta ao vivo pelos próprios bailarinos com loops, ruídos e cacofonias — transforma o som do caos em música. Já o figurino acompanha a dramaturgia e contrasta com o peso das histórias inscritas nos corpos, reafirmando o gesto como lugar de permanência, amor e cuidado.
“Em cena, o amor se torna movimento, o afeto vira linguagem e a permanência, um ato de resistência — uma espécie de kintsugi afetivo, em que as cicatrizes brilham como marcas da vida que insiste”, reflete Mayk, que desde 2020 vem consolidando sua trajetória como artista independente marcada pela colaboração e pela criação em coletivo, a partir de suas vivências enquanto corpo preto no mundo.
Sobre a pesquisa
“ATO II: Aqui, Ainda” é a segunda parte da Trilogia Afetos Negros, em que Mayk Ricardo investiga o amor como forma de resistência e como estratégia diante das violências que atravessam cotidianamente os corpos negros. A pesquisa reflete sobre os conflitos e negociações das posições sociais ocupadas por esses corpos e propõe uma imersão nas afetividades de pessoas racializadas. “O gesto é perguntar: o que nos move, nos subleva e nos mantém íntegros diante das opressões? Ou ainda: como resgatar humanidade e dignidade em tempos tão hostis, afirmando a sutileza, a alegria e o amor como ética de vida e potência política?”, propõe o criador.
Seu espetáculo solo “TENHA CUIDADO! É o meu coração”, estreado em 2024, inaugurou a trilogia, inspirado em autores como bell hooks e Achille Mbembe — referências fundamentais no debate sobre afeto, amor e devir negro —, nas próprias experiências afetivas do artista e na biologia do coração (órgão vital, símbolo dos sentimentos e responsável por bombear vida ao corpo). A obra propôs uma autoavaliação sensível para discutir os atravessamentos estéticos, políticos e sociais que moldam a forma como ele se relaciona consigo mesmo e entende o amor em sua vida.
O atual projeto, intitulado “Não Vão Nos Matar Agora Porque Ainda Estamos Aqui”, parte do livro “Ñ Vão Nos Matar Agora”, da escritora e artista visual brasileira Jota Mombaça, para pensar horizontes que reafirmam a importância de existir e performar em coletivo mesmo em meio às feridas coloniais. Ao longo de seis meses, a pesquisa desdobrou-se na ação performática “APESAR DE TUDO”, na qual os artistas foram para as ruas coletar histórias de amor que, posteriormente, seriam utilizadas para a criação do trabalho final. Também contou com um ciclo de oficinas de dança contemporânea e danças urbanas na Casa Afro SP e no Centro de Convivência da Juventude (CCJ), bem como a edição “Levantes” do Sarau Versos Que Te Fiz.
“’Não Vão Nos Matar Agora Porque Ainda Estamos Aqui’ busca abrir brechas de permanência e sobrevivência, sustentando corpos negros em um ambiente marcado pela aceleração do tempo, pela falta de empatia e pela ausência de amor”, fala o artista.
Sobre Mayk Ricardo
Biólogo e artista da dança desde 2005, Mayk Ricardo atua também em produção cultural. Desde 2020, tem consolidado sua trajetória como artista independente, marcada pela colaboração e pela criação em coletivo, a partir de suas vivências enquanto corpo preto no mundo. Entre seus outros trabalhos, destacam-se a vídeo-dança “su.jei.to” (Prêmio Funarte RespirArte), a pesquisa “Movimento-afeto: dançando histórias de amor” (Prêmio Nelson Seixas 2021 e 2022), e o experimento cênico “OUTROS NAVIOS: danças para não morrer” (comissionado pelo Sesc Rio Preto e contemplado pelo ProAC PNAB SP – 27/2024).
Sobre Carol Cof
Multiartista, dançarina, coreógrafa e estilista criadora da marca Made by COF. Seus estudos e criações tem como base as culturas pretas e urbanas como o Hip Hop e o Funk. Dançarina há 15 anos, o primeiro contato com a dança foi na infância em um projeto social. Participou do projeto qualificação em dança com o grupo Divas, na cidade de Assis. Trabalhou com artistas como Tropkillaz e Racionais MCs. Atualmente, é diretora e coreógrafa do grupo de danças urbanas “SAUCE”. Trabalha em um projeto social e ministra aulas de dança para adultos e crianças.
Sobre Anna Claudia Magalhães
Graduada em Licenciatura em Letras pela Unesp São José do Rio Preto, onde reside. Artista multimídia e arte-educadora, suas produções e mediações passam pela escrita, arte visual e performance. Principais publicações escritas: “Baiacu” (2018), livro de artes coletivo editado por Laerte e Angeli; “Pororoca” (2023), coescrito com Carolina Capelli; “Sala de Espera” (2020), dramaturgia coletiva pela Cênica; e “Bitita, para não esquecer” (2022), dramaturgia pela Cênica. Suas criações e discussões incluem (também) questões de gênero e raça, pois acredita que a arte é a potência para as transformações sociais.
Sinopse – “ATO II: Aqui, Ainda”
Se não pudermos consertar o que foi quebrado, o que acontece?
Dois corpos negros se encontram, buscando no amor uma força capaz de sustentar e fortalecer suas existências em um mundo marcado pela violência, pela incomunicabilidade e pela falta de afeto.
Entre silêncios, gestos e toques, reconhecem na quebra uma maneira de estarem juntos. Como no Kintsugi, onde as rachaduras se tornam ouro, esses corpos se refazem um no outro, costurando suas feridas com cuidado para seguir, de mãos dadas, como uma atitude de resistência.
Aqui, ainda.
Ficha técnica – “ATO II: Aqui, Ainda”
Direção artística e coreográfica: Mayk Ricardo| Criação e performance: Carol Cof e Mayk Ricardo | Colaboração dramatúrgica: Anna Claudia Magalhães | Provocação cênica: Beta Cunha | Preparação corporal: Ícaro Negroni | Trilha sonora: Nesk Beats e Cairo Francisco em colaboração com o elenco| Desenho de luz: Ícaro Negroni | Operação de luz: Reni Trombi | Cenografia: Leonardo Bauab | Figurino: Vinicius Xavier | Costureira: Dona Vergínia | Videomaker: Gui Di Curzio | Identidade visual e design gráfico: juny kp! | Interpretação em Libras: Barbara Moura | Audiodescrição: Milena Bertoni | Assessoria de imprensa: Graziela Delalibera | Produção: Andrea Capelli | Assistência de produção: E Su Mayê
Sinopses – Sarau Versos que te Fiz – Edição Levantes (intervenções selecionadas)
Samba é movimento – Corpo em chamas, de Kellysambafoot
A intervenção funde samba-no-pé, capoeira Angola e danças de terreiros para revelar como corpos negros periféricos transformam dor em potência criativa, denunciando a marginalização histórica do samba e celebrando ancestralidades.
Minibio: Kelly Cristina, conhecida artisticamente como kellysambafoot, é passista e sambista desde os 8 anos. Desfilou em escolas de bairro e na elite do Carnaval paulistano (Mancha Verde, Tucuruvi e Rosas de Ouro), conquistando títulos como Rainha, Princesa e Musa. Atualmente, em São José do Rio Preto, é a Rainha do Carnaval 2025.
Cada um com seu cada caos, de CaS
Esta obra apresenta um fragmento da existência de um dos meus alter egos. A narrativa em versos poéticos percorre a trajetória do caos interior e a necessidade de enfrentar suas causas. Entre questionamentos e incertezas, revela-se também a busca incessante por respostas.
Minibio: Multiartista baiano, nascido e criado no Pelourinho, formado em Ciências Sociais pela UNEB. MC de batalha de rima desde 2016, representou a Bahia no circuito nacional em 2019 e atua como articulador de projetos sociais em sua comunidade.
Dos meus ancestrais, de Fabricia Pereira
“Dos meus ancestrais” é poesia e cantigas de raiz popular e autoral, conduzidas pelo som ancestral do berimbau.
Minibio: Aos 38 anos, Fabricia Pereira se reconhece como uma eterna aprendiz das culturas populares. Sua trajetória começou aos 8 anos, com a capoeira, que se tornou a base de sua vida e trabalho. Hoje, leva essa cultura pelo mundo, entrelaçando o teatro negro e a capoeira em sua prática artística.
SERVIÇO:
Sarau Versos que te Fiz – Edição Levantes
Quando: 17 de outubro, sexta-feira, das 18h às 22h
Onde: CASA SP AFRO Rio Preto – Antônio Pompêo (Av. José Rodrigues Lisboa, 470, Jardim Santa Lúcia)
Ingressos: gratuitos
Classificação: 18 anos
Espetáculo: ATO II: AQUI, AINDA, de Mayk Ricardo (em coletivo)
Pré-estreia: 19 de outubro, domingo, às 19h
Onde: Teatro Municipal Humberto Sinibaldi Neto (Av. Brg. Faria Lima, 5381, Vila São José)
Ingressos: gratuitos (retirada 30 minutos antes)
Classificação: 14 anos
Duração: 60 minutos
Sessão com acessibilidade em Libras e audiodescrição
Lugares limitados
Canais: @tenhacuidado_ e @sarauversosquetefiz